terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A LADEIRA

A minha casa
fica bem numa ladeira
que a gente sobe
pra namorar
e brincar com as estrelas.

Uma ladeira
que a gente sobe
pra ficar olhando o mundo,
pra falar e ouvir asneira,
pra sentir mais perto a Lua,
pra beijar, fazer besteira.

A gente sobe
pra ficar cheirando a brisa,
pra ver as luzes
e ficar longe do mundo,
pra viver num outro mundo
que a gente inventa
e é despido de maldade,
que é tão pequeno
e tão denso de lirismo,
e é de pura poesia.

A minha casa
fica bem numa ladeira
que a gente sobe
pra sentir-se outra pessoa,
pra se ver purificado
e deitar no céu da paz.

2010

ENTREGA EM VERSEJAR

Eu faço versos com empenho e o fervor das paixões.
Eu faço versos como quem dá as cordas vocais e a alma a uma melodia,
Como se cantasse para uma multidão num lotado anfiteatro.

2010

NÃO ME QUEIRAS DEIXAR

Não, morena, não me queiras deixar.
Eu bem sei que o mundo é imenso
E a canção que vem do mundo é tão sonora
E te convida, te confunde e te inebria,
Mas a minha canção tem mais saudade,
Tem mais querer e mais apego
E se dá como fosses o bem mais precioso,
O achado mais raro e magnífico,
O mais belo panorama que me desse a natureza.

2010

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

DEFENSOR SÓ DE MIM

Eu sonhei uma gente alegre e contente,
Andando nas ruas, dançando nas praças,
 Vivendo o trabalho, feliz de existir.

Eu sonhei uma justiça tão plena,
Que, de tão impecável, de tão grandiosa,
A nós comovesse.

Eu sonhei os anjos no timão desta terra
E a felicidade reinando absoluta.
Mas um dia acordei, percebi que os tais anjos,
Na verdade demônios, tendo os rumos da terra,
Se mostraram piores que aqueles
A que no passado chamavam capetas.

Descobri que a tal gente sequer se abalava
Com os mandos, desmandos de tantos demônios
E não se importava de viver a sofrer.
Foi aí que, cansado, sacudi os velhos ombros,
Militante me tornei de mim tão-somente,
Eu, a causa que abraço nos dias de hoje,
Eu, defensor só de mim.

2010

ESSA QUE ÉS

Se fosses a mulher que eu sonhara,
te chamarias Sofia,
serias bonita e morena,
terias os olhos fugazes
velando inconfessos desejos.

Se fosses as mulher que eu temia,
te chamarias Anita,
serias dissoluta, expansiva
e abririas a casa em festa
com bêbados a cair pelo quintal.

Se fosses mulher de batalhas,
te chamarias Marina,
serias resoluta, aguerrida,
terias firmeza nos gestos,
terias coragem nos olhos.

Mas és aquela que amo
e tens tudo aquilo que quero,
que quero com o zelo infinito
e o apego febril de quem acarinha
tesouros colossais conquistados.

2010

domingo, 14 de novembro de 2010

PERMANEÇA

Fique sempre em minha vida,
Se é tão belo o nosso mundo,
Se é de lira a nossa casa,
Se, ao abrirmos as janelas,
Vem no vento a poesia.

Viva sempre em minha vida,
Se a penumbra prateada
Vem ornar o nosso quarto,
Tem o próprio tom da paz.

Seja eterna em minha vida,
Se é bonita a nossa rua
E se ouvimos vir de longe
O chorar de um violão.

Permaneça em minha vida,
Se na cama dos ardores,
Se nas mãos como de seda,
Nas palavras delicadas
O amor vem, fica a cantar.

2010

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

ABRIGA-ME

Abriga-me na tua casa, no teu peito
E nos devaneios mais insanos e românticos.
Abriga-me no teu sossego, no teu leito, no teu corpo,
Na magia descomunal que há no teu ser.

Abriga-me no pensamento em cada ausência minha.
Deixa na memória cada orgasmo, cada afago,
Cada frase de doçura e cada olhar enternecido,
E te alegra como em dança cada vez em que eu chegar.

Abriga-me em ti para todo, todo o sempre
E eterniza tua presença nos meus dias,
Te fazendo então a mais bonita melodia
Que o meu ser embevecido possa ouvir.

2010
Revisto e modificado em 2017

domingo, 24 de outubro de 2010

A AMANTE DAS ARTES

Um poeta pousou na minha minha vida
E saiu batendo asas logo após.
Ficou tudo cru, tão rude no meu mundo...

Um flautista tocou lindo em meus momentos,
Mas durante um tempo inda menor.
Fez de mim não mais que só silêncio.

Um sambista fez folia nos meus dias
E sumiu com seu pandeiro de repente.
Fez de minha alegria meras cinzas.

Um palhaço trouxe graça à minha vida
E num mês partiu pra sempre com seu circo,
E eu chorei convulsamente por bons dias.

Um ator representou sol renascido,
Mas dois meses foi o tempo que ficou.
Nem consegui dissimular a dor tamanha.

Um pintor me veio e coloriu-me a existência,
Mas partiu com suas telas em seis meses.
Fez minh'alma tão cinzenta e tão sem cores...

Vem chegando um paisagista à minha estrada
E vai fazê-la bela, ornada e floreada,
Tenho esperanças que pra todo, todo o sempre.

2010

SONHEI

Sonhei, sim,
sem pudor e sem limite,
ou compromisso co'a razão.
Mas sonhei qual fora louco,
e você me veio à mente,
numa cama de poema,
numa noite à beria-mar.

Sonhei, sim,
e inventei um mundo novo
sem os ódios e as ganâncias,
onde os homens, todos eles
protegiam a natureza,
o planeta e os  animais.

Sonhei, sim,
fiz a morte suprimir-se
e a cidade fiz tão bela
e tão clara de alegria
e de paz angelical.

Sonhei, sim,
inventei que minha rua
era em meio a bosques verdes
onde eu via mil sanhaços
a brincar toda manhã.

Sonhei, sim,
fiz os seres se irmanarem
e se amaram sem medidas,
caminhando lado a lado
e fazendo que este mundo
se tornasse o próprio Céu.

2010
Revisto e modificado em 2017

SE VOCÊ VIESSE

Se você viesse e se entregasse,
Eu a guardaria no abrigo do aconchego
Do mais fundo do meu peito apaixonado.
Eu a deixaria nos recantos mais melódicos
Dos meus quentes, meus imensos sentimentos.
Eu veria alvorecer em cada instante
De ternura, de promessa e de carinho
E de verbo macio e de doçura.
Eu veria uma fonte que nunca se esgotasse
De razões pra viver pra todo o sempre
No seu rosto aveludado de mulher,
Nos seus braços tão repletos  de carinho,
Nos prazeres inefáveis sobre a cama,
Nas manhãs em que, felizes, acordássemos,
Assim quase como se cantássemos,
Tamanha a felicidade de nós dois.

2010
Revisto e modificado em 2017

COXAS NEGRAS

A mulher negra e bela se senta à minha frente,
Cruza ante meus olhos as roliças negras pernas,
Negras como os rios que cantam mansamente
Nas noites sem lua e sem estrelas.
A mulher bonita cruza as negras coxas,
Negras como as onças negras e noturnas
Que caçam pelas selvas do país.
Negras como as cobiçadas cavidades
Do seu desejado corpo negro.
Negras como os belos olhos negros
Impregnados de viveza e de malícia.
Negras como estes meus versos negros
Envolvidos num negror tão claro e luminoso
De desejo, devaneio e de querer.
2010

terça-feira, 19 de outubro de 2010

FAVELA II

Não é um vilarejo inocente,
Mas sugere algum romantismo.
É um lugar bem modesto,
De uma pobreza flagrante,
De uma beleza singela.

Mas naquela beleza simples,
Não há nos dias da gente
A mais vaga e menor poesia.

As crianças brincam, inocentes,
Mas não sonham qual sonham crianças.
Adolescentes não mostram quimeras,
Mas eterna vigília nos olhos.
Não têm esperança os adultos,
Mas rezam o quanto conseguem,
Pedindo que não cheguem tragédias

Soldados sem farda e camisa
Empunham armas possantes,
Seguindo ordens expressas
De oficiais sem divisas.

O sol reflete nas casas,
Mas não há olhar que se encante.
Alguns jardins bem se avistam,
Mas as flores parecem sem vida.
Nos bares, homens conversam,
E as ruas, repletas de gente,
Não são de viva poesia.
Soa bem alto um batuque,
Mas não há no batuque alegria.

2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

CALA

Cala,
E não terás para ti apontado o ódio,
A repulsa, a antipatia,
O fastio, o escárnio.
Cala,
E não farás desafetos e traidores.

Cala,
Fala apenas aqui,
Pois quem não quiser te ouvir, não te leia,
Que abandone tuas páginas escritas.

Cala,
Não fales.
Se não consegues conter a indignação e a revolta,
Que apenas aqui te manifestes.

Cala, não fales,
Mas apenas cria,
E aí serás senhor das chuvas e dos ventos,
Conduzirás o tempo e os destinos,
Serás assim poderoso como um deus.

Cala,
Permanece silente
E mantém apenas teus olhos atentos
Ao mundo,
À vida.

Concebe aqui tuas idéias e pensamentos,
Mas não verbalizes,
Porque o mundo é uma armadilha mortal
E as pessoas são lamentavelmente nocivas.

Por isto cala,
Cala como se não pensasses,
Como se nada visses,
Como se fosses nulo,
Cala como se não corresse
O sangue por tuas veias.
Mas cala, amigo, não fales!
Cala, amigo, por Deus!
Cala, por favor, amigo,
Cala!

2010

TRISTEZA

Tenho ido pela vida sem saber pra onde ando,
Como autômato, como apenas empurrado pelo vento,
Entre o medo, a dor e o meu profundo desalento,
E versejo, sem saber porque versejo exatamente.
Consolar-me-ia ver assim escrita e registrada
A tristeza que me apaga, que me assombra e que me mata?
Não, mas os versos me vêm também quase à toa,
Como também trazidos pelo vento.

2010

NÃO TENTE

Não tente vir me provocar
Como se fosse a alvorada com seus pássaros,
Pois só creio na madrugada em seu silêncio,
Que jamais me tenta iludir.

2010

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

GRANDES PERIGOS

Há um grande perigo em atravessar as vias
Pelas ruas
E andar pelas ruas da cidade,
Porque um acidente ou atentado pode tirar a vida do teu corpo.

Mas há também um grande perigo em atravessar os momentos
Pelos dias
E andar pelos dias desta vida,
Porque um drama ou maldade pode tirar a vida da tua alma.

2010

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

NASCER DE UM POEMA

Algo faz que me assalte uma emoção
E tome conta ponta a ponta de minh'alma.
E me entrego, quer eu queria, quer não queira,
Seja o que sinta afeto de calor intenso,
Paixão incandescente e sem freio e sem limite,
Ódio de esquentar as faces e fazer os olhos rubros,
Tristeza funda de fazer sombrio o mundo
Ou alegria ensolarada como dança em carnaval.
Não importa o sentimento, pois me toma a emoção
Com seus ventos, seus arroubos e seus frêmitos,
E assim nasce um poema pulsante como as veias,
Como sangue brotado da ferida acesa,
Ou sêmen nascido de um prazer que não tem nome.

2010

A NOITE E NOSSOS OLHOS

Noite de carinho, de projetos e promessas.
Vejo a poesia brilhando nos teus olhos
Tão repletos de paz e de luar.
Ouço músicas antigas e tão belas
E tão cheias de passado e de saudade,
Mas tua presença faz alegre a nostalgia.

Cantas uma canção singela, pequenina,
Mas que me toca e até faz prantear.

Meus olhos são teus, teus com tamanha demasia,
Que se fazem cheios de palavras
No ato puro e simples de te olhar.

Noite, músicas, teu beijo e a paz desses teus olhos.
Vivo então a mais bonita, mais profunda poesia.

2010

terça-feira, 5 de outubro de 2010

AQUELA MULHER MAGRICELA

Aquela mulher magricela,
Que não é nem feia nem bela,
Traz uma história consigo
De arrepiar, meu amigo!

Mulher de muitos amantes,
De ardor singular, flamejante,
Segundo comentam parceiros
Que foram-lhe só passageiros.

Um dia um homem sereno,
Casado, de filhos pequenos,
Por capricho, mera aventura,
Envolveu-se co'a tal criatura.

Problema maior disto tudo:
Um dia se viu ele mudo,
Cego, surdo de amor por ela,
Que, vê, não é feia nem bela.

Deixou esposa e crianças,
Matou toda viva esperança,
À casa deu cor de saudade,
Pintou de infelicidade.

A pobre a esconder pelos cantos,
A doida convulsão do pranto,
Crianças quedadas de espanto,
Tristonhas, sem ter acalanto.

Pra que você bem me entenda,
Ficou a família sem renda.
Não queira meu Deus que eu minta:
Tornou-se família faminta.

Uns poucos anos passaram,
E as coisas então se mostraram:
Vivia o rapaz aos lamentos:
Não lhe tinha a mulhr sentimentos.

Foi ele mais ainda ferido:
Um dia descobriu-se traído.
Deixou-a, atingido nos brios,
A alma em dor, calafrios.

Procurou a cônjuge antiga:
Queria uma amante, uma amiga.
Mas não tinha-lhe a ex mais afeto:
Agora o achava abjeto.

A moça até se casara,
A outro se afeiçoara.
E os filhos ao homem chegado
Já tinham até se apegado.

Vê quanta tristeza causada
Por capricho da desalmada,
Aquela mulher magricela,
Que não é nem feia nem bela?

2010

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A MOÇA E O MAR

Luzes de artifício brilhando,
Luar refletido no mar.
Deixa dormir a tristeza,
Deixa morrer o passado
E olha nos olhos da moça,
Tão cheios de espera e amanhã.

Deixa dançar sobre as águas
As múltiplas luzes da noite
E olha no rosto da moça
Um canto de pura esperança.

Olha no corpo moreno
A cor e o calor do desejo.
Olha no riso sereno
Um ar de quem se quer dar.

Pisa teus pés no presente,
Joga teus olhos no mar.
Toma essas mãos dessa moça
E vê um novo tempo brotar.

2010

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

TEMPO DE TRISTEZA

Em noite profunda de inverno,
Sem música, estrelas, luar,
Cantei uma viva esperança,
E era tão diurno meu canto...

Em dia profuso de gente,
Com sol, nuvens alvas, céu claro,
Cantei uma dor que me vinha,
E era tão noturno o meu canto.

O canto é o espelho da alma,
A alma é que diz se as horas
São claras, escuras, cinzentas,
Se o dia pra nós anoitece,
Se a noite pra nós amanhece.

Durante um tempo bem longo,
O escuro invadiu meus momentos,
Me fez as manhãs tão noturnas,
Me fez anoitecer pelos dias,
Numa tristeza fundamente doída,
Mas doída de parecerem os minutos
Derradeiros momentos de vida.

2010

domingo, 26 de setembro de 2010

VEM VIVER

Vem ver dançar a noite
No batuque alegre,
Nos bares lotados,
Na gente a passar.

Vem ver cantar a vida
Na lua gigante,
No céu estrelado
A rebrilhar no mar.

Vem dar-te uma chance
De sorrir-te o mundo,
De gritar no peito
Um amor imenso.

Vem me dar teus olhos
E o teu peito ávido,
Faze de minh'alma
Um valsar sem fim.

2010

OS POETAS DA VIDA

Quando amanhece, e as casas se enfeitam do sol,
Nós, sentinelas da manhã, matutinos poetas,
Contemplamos o dia, na avidez de um tempo feliz.

Quando a tarde acende as ruas e gentes,
Nós, sentinelas da tarde, vespertinos poetas,
Lambemos a tarde, sedentos de plena alegria.

Quando artifícios de luzes acendem a noite,
Nós, sentinelas da noite, noturnos poetas,
Sorvemos a noite, famintos de amor.

E a vida assim segue, ora escura, ora clara,
Dançando ritmos vários, às horas ligados,
Nós, sentinelas da vida, poetas sempre em vigília,
Dançamos todos os ritmos, sequiosos então de viver.

2010

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A TARDE

Tinha sol, vento fresco, um bocado
De gente passando nas vias.
Tinha a praça, os bancos, arbustos,
A tarde de acesa alegria.

Tinha os carros, os jovens falantes,
As crianças em viva euforia,
O semblante de paz de uma moça
Que levemente sorria.

Tinha o olhar brilhante do jovem
Que em divagações se perdia.
Tinha a luz fulgente do sol,
Que em meu ser reluzia.

Tinha nuvens tão brancas no céu,
O azul o mar parecia.
Eu bem via o relógio da praça,
Mas o tempo não existia.

Era a tade inquieta e bonita,
Que a todo vivente envolvia:
Era vida, era cores, tão clara,
Era um fogo infinito de vida
E ao meu peito por completo acendia.

2010

domingo, 5 de setembro de 2010

PARTIDA

Partiu sozinho e tão tristonho,
E uma melodia de pura melancolia
O acompanhava, teimando em ficar na memória.

Partiu, macambúzio, sem alento.
Tinha um longo caminho a percorrer,
Mas ainda maior era o tamanho da sua agonia.

Partiu. Nenhuma ilusão havia.
Não havia horizonte, expectativa,
E a estrada a seguir era árida e sombria.

Partiu. Não tinha mais sonho nem ânsia.
Não tinha esperança, desejo nem vida.
Andava apenas. Nada mais tinha. Apenas seguia.

2010

VIZIM DE ZÉ CARDOSO

Vem cá, vizim, desce uma pinga, que eu te conto:
Ninguém no mundo é mais feliz que Zé Cardoso.
É que, cedim, toda manhã, beija a menina
De cabelim assim curtim, sorriso franco,
Bonita assim que nem os campo bem verdim.

Aquele beijo mais parece que alimenta Zé Cardoso,
Que prá labuta sai feliz de inté sartá.
Entra a menina a sorrir por casa adentro,
E eu fico oiando as coxa grossa, bem clarim,
E sonho vendo o vestidim a balançar.

O dia inteiro aquela potra lava, passa,
Varre, cozinha e canta assim qual passarim.
É tão bonita com zoim assim pretim,
Tão infantis e serenim, cheim de paz.

De tarde chega Zé Cardoso todo prosa,
E ela se agarra, alegre, moça, ao seu pescoço.
Depois, vizim, é um converseiro sem tamanho.
Um tal de "amor", "benzim" pra lá, "benzim" pra cá,
E a casa, assim, meu bom vizim, parece em festa.

Eu imagino, meu amigo, que à noitinha
O meu vizim é mais feliz que um fazendeiro,
Porque a deusinha, se entregando entre sussurros,
É bem capaz de qualquer cristo endoidecer.
E eu te confesso, sou tão só, que sinto inveja
E uma tristeza grande assim de contorcer.

2010

domingo, 8 de agosto de 2010

LIRISMO

Vem, canção bonita, alimentar minh'alma.
Vem, mulher-encanto, nutrir meus desejos.
Vem, lua crescente, pratear meu corpo.
Vem, noite serena, traze-me um poema
Fresco como a brisa, brando como tu.

O ICONOCLASTA

Não exaltarei salafrários engomados e com títulos pomposos
Que detêm nas mãos sujas poder e autoridade imerecida.
Não farei reverências a senhores e doutores,
Sobretudo pela parca moral das pessoas
Para o exercício do mando, poder, senhoria.

Não farei louvações a calhordas de terno
Que decidem destino de gentes e povos sofridos,
Que fazem das vestes capa de suas sarnas malditas,
De sua podridão intrínseca, vindas da mente abjeta.

Não homenageio fraques, fardas, coroas e togas,
Porque conheço profundamente a pequenez dos homens.
Não farei vivas a abastados ridículos
No alto de suas fortunas como de pedestais.

Não farei canto a gente emproada, arrogante
Que se vê qual deidade de carne e de osso.
Não farei verso a enfeitados de ouro e de brilho,
A criaturas cheias de "cumpra-se" e "faça-se".
Não saudarei quepes, brasões e divisas.

Também não cultuarei mitos e grandiosos de plástico.
Ao contrário: desmantelo os mitos, dissolvo os heróis
Com o meu senso de realidade iniludível.
Os mitos arrotam, engasgam, são bem como nós;
Heróis, se algum há, quero ver e tocar.

Eu vejo a cara dos homens tal como é a cara dos homens.
Não me iludo ou fascino, imune a todos embustes.
Ninguém a meus olhos fará belo o que é feio,
Fará grande o que é mero, é reles, é vil.

2010

domingo, 1 de agosto de 2010

BELEZA MATUTINA (QUASE UMA CANTIGA DE RODA)

Beleza matutina:
Em cima do telhado
Cantou o bem-te-vi.
Aqui vejo da varanda
Uma serra tão verdinha,
Tão bonita de se olhar.

Se eu visse a ti dançando,
Sonhando pela estrada,
Eu pegava uma viola
E saía a acompanhar.

Manhã clara, tão bonita,
com jardins de muitas flores.
Os teus olhos de esmeralda,
Duas contas de encantar.

Manhã ensolarada,
Os arbustos a bailar.
O teu rosto é porcelana,
O meu peito é o teu lugar.

2010

quinta-feira, 1 de julho de 2010

ALMA EM LUZ

Eu tenho alma,
E um samba tão bonito, vindo lá da rua
Vem chamar minha'alma a ir sambar.

Eu tenho samba,
E um desejo de viver me acende numa lira
Que se enche de louvor à noite alegre.

Eu tenho lira,
E ela queima como a rua, a noite, o samba,
Vicejada das pessoas e das luzes de artifício.

Eu tenho luzes
Que me brilham n'alma viva, tão vibrante,
Que parece que jamais (a alma) se apagará.

2010

segunda-feira, 21 de junho de 2010

DOS POEMAS QUE FAÇO II

Eu faço versos com o encantamento de menino enamorado,
Com a pulsação fremente dos teimosos aguerridos,
Dos amantes sequiosos em seu leito de luxúria,
Co'a tristeza desolada dos sozinhos desamados,
A alegria radiante dos circenses espetáculos,
O cansaço sem remédio dos da vida desistentes,
Com o ódio incandescente dos febris injuriados...
Mas versejo sempre numa profusão de sentimentos
Aflorados do mais fundo do meu peito apaixonado,

2010

quinta-feira, 17 de junho de 2010

DOS POEMAS QUE FAÇO

Eu faço poemas com a intensidade de quem recita no teatro,
Tentando descrever com clareza singela cada pura emoção.
Porque cada emoção é pura e singela:
Pura e singela qual menino a correr pela várzea,
Como gato ou cachorro a banhar-se do sol.
Por isto quero o meu verso puro e claro,
Assim como peixe nadando em água cristalina...
Mas quero meu verso comovente e tocante,
Comovente como adeus irrevogável entre amantes,
Tocante como acordes de violão em noite de abandono,
Como prece doída de tanta, tão funda emoção.

2010

AMO A NOITE

Eu amo a noite e o seu silêncio sóbrio,
Os sussurros que vez por outra vêm quebrar o silêncio.
Amo a noite porque a noite é o abrigo do pensamento,
Porque a noite é o templo do sentimento e da poesia
E é às vezes a conselheira que nos guia e nos intui.
Amo a noite porque é onde cultuo emoções e belezas,
[ fabrico poemas de morte e de vida, fazendo-me assim tão feito de alma,
Tão cheio de versos, tão pleno de lira, repleto de canto,
Como se a noite e eu cantássemos juntos iguais emoções.

2010

MANHÃ EM VIDA

Eu vi a manhã assanhada em festa,
Na dança de vida vibrante das pessoas adentrando os automóveis,
Na diversidade das cores das roupas, carros, lugares, pedestres,
Na esperança percebida nos rostos de muitos dos que passavam.
Vi a vida em álacre dança, e minh'alma se comprouve em sorver a alegria daquela manhã...
E se banhou daquela esperança e daquele sol manso,
E acompanhou cada passo da dança,
Embriagou-se da viveza do dia de outono
E se acendeu, embebida das luzes e cores da vida.

2010

sexta-feira, 11 de junho de 2010

DEFESA AOS ANJOS

Eu quero a salvação de cada touro bravo e cada cavalo chucro violentado nos cruéis e sórdidos
[rodeios, onde a maldita morbidez de gente desgraçada promove espetáculos hediondos para
[demônios imundos que se comprazem do sofrimento moral e físico.
Eu quero que este anticanto pejado de ódio e fúria perfure os intestinos dos membros das
[indústrias pesqueiras que assassinam perversamente as baleias e tingem de rubro o azul
[ do mar.
Eu quero que algo haja que puna com dor e agonia os dirigentes canadenses que
[ se dão à empresa nefasta de matar leões-marinhos e focas.

Eu quero cada animal respeitado como ser vivente passível de dor e sofrer,
Como irmão de cada um de nós que é, por filho da Natureza.
Eu quero cada animal amado como irmão indefeso dos homens.

Eu quero a paz para cada bicho inocente, acarinhar os cães, tão afáveis e ternos,
Os gatos, tão fugidios e cautos, os galos, tão aguerridos, valentes.
Eu quero irradiar amor puro e absoluto para as criaturas puras do mundo,
Por serem os únicos anjos que realmente, que verdadeiramente há.

2010

PROMESSA (POR VOCÊ)

Por você
Trilharei caminhos insólitos,
Consultarei os oráculos, magos,
Revirarei os baralhos ciganos,
Cantarei os hinos mais místicos.

Por você
Recorrerei a deuses exóticos,
Me esmerarei em ritos, feitiços,
Desvendarei as vidas passadas,
Vislumbrarei existências futuras.

Por você
Cumprirei os trabalhos de Hércules,
Cultivarei os campos de afeto,
Semearei a paixão mais acesa,
Erguerei plantações de amor pleno...
Por você...

2010

domingo, 23 de maio de 2010

MORENA

Vai, morena,
caminha, morena,
rebola, morena,
a bunda morena
à beira do mar.

Bebe, morena,
te deita, morena,
te doura, morena,
ao sol escaldante,
me deixa te olhar.

Abre, morena,
o sorriso menino,
permite, morena,[
eu ser teu devasso
por hoje somente.

Vamos, morena,
viver neste dia
dourado e de luz
um doce poema
de amor e de ais.

2010

A MULHER

Canto as mulheres como fossem deusas, pelo fascínio que me exercem,
Por ver nelas, em cada uma, um tanto de Vênus,
Um quê de ninfa, um tanto de fada e de heroína dos romances,
Por captar-lhes fundamente o poder magnético e a magia.
Eu canto a mulher existente ou que já tive, rebatizada nos meus versos;
Eu canto a mulher inventada a partir das mulheres vistas nas ruas ,
Da mulher cuja beleza me embevece, à qual dou nome e dou história...
Mas canto a mulher...
Com esmero e com veneração!
Canto a mulher porque é como cantar as paisagens majestosas,
Como cantar os anseios mais ardentes, palpitantes,
Como cantar a cidade mais acolhedora, aconchegante.
Amo a mulher. Amo com o fervor mais exaltado,
O desejo mais vibrante, numa coisa que é qual devoção, um dar-se em prece aos
[ elementos transcendentes,
Como minha alma se elevasse alimentada do mais alto, milagroso,
Mais sublime arroubo do desejo e da paixão.


2010

PARA SER FELIZ

Pra que eu veja brilhar a esperança,
É preciso a tua presença
E os teus braços de afeto pra mim.

Pra que o dia amanheça bonito,
É preciso uma noite cálida
E os teus olhos de mar nos meus.

Pra que o canto não seja inaudito,
É preciso que a mim tu te entregues
Num querer, num afã sem limite.

Pra que a vida pareça folia,
É preciso que um só nós sejamos,
Que vibre em meu peito a alegria do teu.

2010

VIDA OCULTA

Pare, ouça, olhe-se e acredite,
note e se dê conta que não ressecou:
saiba que essa sua aparente morte
não é mais que oculto palpitar de vida,
Eu noto a esperança a lhe brotar nos olhos
e no seu semblante uma avidez oculta,
uma inquietude murmurante e cálida
a passar silente pelos seus sentidos
sem que sua alma dela se aperceba.

2010
Revisto e modificado em 2012

sábado, 22 de maio de 2010

FICA LONGE DO MEU CANTO

Fica longe do meu canto:
ele pode te espetar.
Fica longe do meu canto:
ele pode até morder.

Fica longe do meu canto:
ele pode ser uma carapuça alérgica
com a exata medida da tua cabeça.

Fica longe do meu canto:
ele pode ser um capetinha
que tenha prazer em te irritar.

Fica longe do meu canto:
ele tem o sadismo de um moleque
que, ao passares, põe o pé na tua frente.

Fica longe do meu canto:
ele tem o prazer doentio
de te ver em raiva te morderes.

Fica longe do meu canto,
que ele cospe marimbondos
e quer ver-te apoquentado,
igualmente furibundo.

Fica longe do meu canto,
porque és por demais elementar,
e ele sabe como poucos sabem
as feridas que carregas te dedar.

2010
Revisto e modificado em 2017

SE VOCÊ QUISER (VOZ DO DESENCANTO)

Se você quiser,
tenho um texto cru de descrença e tédio
embebido da monotonia e mesmice dos dias
e das vivências que não dão espaço à ilusão.

Se você quiser,
tenho versos sem lira e sem dança,
mas pejados de enfado e cansaço,
do fastio de andar pelos dias.

Se você quiser,
trago um verbo tão farto de tudo,
da certeza que nada no mundo
possa haver de novo ou diverso.

Se você quiser,
tenho algo que traduz um desejo
de ficar a olhar para o nada
e deixar apenas o tempo passar.

Se então não quiser,
busque um vento de falsa esperança
e embarque na colorida utopia,
ignorando meu discurso cinzento.

2010

segunda-feira, 17 de maio de 2010

UNO COM O COSMO

Quando a noite se aprofunda e os seus sons vêm levemente
como poesias murmuradas à minh'alma asserenada,
eu me sinto tão volátil, tão etéreo, sem pecado,
tão envolto e tão parte de um poema transcendente e tão bonito
que chegasse de lugares tão sublimes de distância imensurável...
Eu me sinto assim qual se um cordão de encanto e sem tamanho
me ligasse aos longes pontos do infinito inexplicável
e, mais que anjo, mais que o favorito entre os serafins,
fosse, sim, parte de um Deus composto inteiro de pureza e de lirismo.
Eu, nesta harmonia, no Nirvana, a colher e destilar as mais tocantes emoções.

2010

Revisto e modificado em 2012
Reintitulado em 2013

domingo, 9 de maio de 2010

MATURIDADE

Já senti o júbilo dos triunfantes, dos sortudos.
Já amei com a intensidade dos sóis de verão.
Já odiei com a força dos ventos mais devastadores.
Já me desolei no desânimo dos exércitos vencidos.

Já morri tantas vezes e já ressuscitei tantas outras,
Algumas como fênix a renascer subitamente das cinzas,
Outras, lentamente como a formação da vida num planeta.

Já vi o fundo da alma humana e tudo o que nela habita.
Já senti o desencanto como punhalada em minha carne,
Mas, hoje, os meus olhos vêem tudo como é.

Não é possível viver sem amar, e amar é risco de dor,
Mas hoje quero a paz das brisas e campos mais serenos,
Só lamber da vida o sumo doce e paladares mais suaves,
Da maturidade fazer dias de sossego, amor e de delícias.

2010

VIDA DE AMANTES

Quero manhãs frescas de sol manso
E o orvalho enfeitando o seu jardim,
Quero na brisa o cheiro das sementes
E dos arbustos que ataviam seu quintal.

Quero uma rua de terra pra pisar
E passarinhos gorjeando em meu caminho,
Um violeiro a tocar n'alguma esquina
Canções bonitas de o meu peito trepidar.

Quero a esperança brotada nos seus olhos,
Contagiando minha alma, meu olhar.
Queira a mim como se eu fosse a poesia
Da lua a adentrar pela janela.

Quero sua pele de seda em minhas noites
E a penumbra a iluminar nosso delírio,
Palavras doces traduzindo os sentimentos
Mais intensos e mais fundos de nós dois.

2010

sábado, 8 de maio de 2010

DESOLAÇÃO DIVINA

E a idolatria dos homens por Alexandre e Napoleão e seus impérios malditos
erguidos sobre chacinas, carnificinas, estupros e iniquidades inimagináveis?
E a idolatria dos humanos pelos poderosos sem sentimentos
e despidos de moral, compaixão e o menor dos princípios de bondade?

E os louvores aos vencedores e aos competentes, sem pensar no infortúnio e dor dos mais fracos?
E o gozo de enfiar um anzol num peixe por mero capricho e vaidade?
E o desrespeito torturante e mortal às outras espécies, numa indiferença perversa,
Numa convicção de ser o planeta um mero usufruto?

E o desrespeito mesmo à integridade moral e física da própria espécie,
com atos de negligência, com atos de crueldade, atos de vandalismo?
Se Deus existe, deve estar desolado, balançando a cabeça
e se perguntando por que ao homem criou.

2010

quinta-feira, 6 de maio de 2010

DANIELLE

Quando a noite silencia e se aquieta
E do fundo da noite a poesia
Vem tocar os sentimentos dos poetas,
Danielle sonha sonhos tão bonitos:
São quimeras de menina enamorada.
Fecha os olhos, tão ardente de desejos,
Fantasias fogueadas de mulher.

Quando sonha amor, entrega, enlevamento,
Esperanças embelezam seu momento,
Orbitando as ilusões dos vinte anos
E os anseios dessa fêmea tão sedenta.

Quando enfim adormece essa menina,
Mais parece o seu quarto um céu pequeno,
Porque a paz, aconchegante, vela o sono
Dessa moça que inda sabe e quer sonhar.

2010

quarta-feira, 5 de maio de 2010

ALMA INERTE

A voz que cantava se calou.
A pena que versejava ressecou.
O sol que brilhava se apagou.
Acho que morri mais uma vez,
Ou então minh'alma num coma se afundou.
Minh'alma, que não ri, que não pranteia,
Desacordada, esborrachada no chão duro de granito.
Minh'alma, tão silente, tão exangue e tão inerte...
Acho que minha luz se apagou.
Acho que minha alma se matou.

2010
Revisto e modificado em 2017

quinta-feira, 29 de abril de 2010

MUNDO DOS SANTOS

Toda viúva tinha um marido que era o "cão",
que era demais,
que era absurdo,
que já foi tarde.

Todo mundo é de Jesus,
a gente vê
nos adesivos
e nas janelas.

Ninguém age de má-fé,
a gente sabe,
a gente vê,
tá nos discursos.

Não existe gente má,
há pouco céu
pra tanta alma
benevolente.

Todo mundo toda noite ora
pro bom Jesus
e fica então
puririficado.

Todo mundo só bateu por provocado
até as raias
de uma explosão.
Fazer o quê?

Todo mundo tem razão, só tem virtude.
Mundão danado
que só tem santo
com halo e tudo.

Mundão tremendo de anjos bons.
porque então
existem guerras
e molecagens?

Por que então a gente vê
tanta miséria,
tanta injustiça
e covardia?

Conta então por que que há tanto
assassinado,
tanto humilhado,
tanto enganado.

Todo mundo é ser do bem,
ainda bem
pro nosso bem,
meu bem, meu bem.

Vou parar de duvidar
Viva essa gente
que habita a Terra,
que é só bondade!

Meu Deus,meu Deus,
salve essa gente!
Viva essa gente!
Salve esses santos,
meu Deus, meu Deus!

2010

A MINHA BELA

A minha bela não é mais bela
Do que as outras belas do mundo,
Mas, quando sorri, eu percebo:
Nenhum riso tem tanta manhã.

A minha bela tem os olhos
Belos como os das outras belas,
Mas, quando me olha, eu vejo:
Não há olhos tão cheios de céu.

Quando o vento lhe bate no rosto,
Imagino um sem-fim de poemas,
Olho o semblante da bela e penso:
Nenhum rosto faz tanto sonhar.

Se não é mais tudo, a bela
Assim simplemente parece,
Por ser aquela que amo,
Não haver delírio maior do que amar.

2010

domingo, 25 de abril de 2010

POEMA SACRO

A música é a religião dos emotivos,
A brandura é o templo dos românticos,
O alumbramento é a prece dos líricos,
A Natureza é Deus...
É Deus...
Meu Deus(!), é Deus!

1994

PURA BELEZA

Quero fazer versos belos como cânticos sacros,
Quero o olhar cativo da mulher que me enfeitiça,
Uma brisa fresca que me afague a pele, o rosto
E um riacho a riscar a verde relva da cidade.

Quero os seres todos irmanados como desejava
São Francisco em sua bondade absoluta.
Quero orquestras com pianos, violinos, clarinetes
Acordando as luzes e manhãs do meu país.

Quero a noite harmoniosa e prateada
Em cantigas tão bonitas, suaves, comoventes,
Que os olhos dessa gente vertam lágrimas.
Quero a plena volúpia varando as madrugadas
E as manhãs encontrando os poetas aturdidos
Com motivos tão vários para suas poesias,
Com razões tão diversas para seu alumbramento,
Num transe, num enlevo de lirismo absoluto.

2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

NOITE SEM FIM

Não quero cultivar esperanças:
Só quero as ruas desertas e me sentar nas calçadas,
E chorar incessantemente durante a noite infinita.

Não choro tua ausência, tua partida:
Foi até tardia a tua ida.
Choro, sim, a ausência de alguém
Exatamente como a mim pareceste.

Segue, não olhes pra trás, não voltes:
Não te choro, mas a mim,
Que sinto a solidão me apertar nos braços gélidos
E no além-horizonte nada diverso vislumbro.

Só vejo a noite e a solidão, insensível, perversa,
Insolente, sem vida, senhora de mim.
Não, não quero novamente a esperança:
Só quero prantear nas calçadas, sozinho,
Nas ruas desertas, no fundo da noite sem fim.

2010

domingo, 18 de abril de 2010

TÔ FORA

Eu tenho andado sem rumo,
Eu tenho andado sem norte:
Eu venho de lá das esquerdas
Mas agora esquerda acabou.

Acho que tudo foi sonho,
Acho que jamais existiu.
Não creio hoje em dia em mais nada.,
Agora não sei pr'onde ir.


Tem gente que fala no centro.
Pra mim, só se for de macumba:
Só há o ser e o não-ser,
Não há o não-ser relativo.

Eu tenho andado sem rumo.
Enquanto não acho o caminho,
Eu vou tomando cerveja,
Eu vou vivendo esta vida.

Enquanto não tenho uma causa,
Procuro por uma morena
Que tenha carinha de anjo,
Mas seja na cama o diabo.

Eu vou seguindo sem rumo,
Em centro jamais eu vou crer,
Acho que vou descansando
Aqui sem muito pensar.

Ah, que preguiça gostosa!
Eu deixo a luta pros jovens,
Quem quiser crer em algo, que creia.
Tô fora de lutas, tô fora!

Só quero esticar minhas pernas,
Só quero beijar a morena,
Só quero ir vivendo esta vida
Na paz de monge budista.

2010

sábado, 17 de abril de 2010

TRAZE PRA MIM

Traze pra mim
O teu verbo mais bonito,
Um olhar apaixonado
E um se dar tão sem tamanho,
Que eu inspire a vida num prazer tão infinito,
Que o mundo à minha volta mais pareça a poesia
A vibrar pelas esquinas, sussurrrar-me lindos versos,
A bailar nas ruas, praças e a brilhar no firmamento.

2010

TEMPESTADES

Não escolhi garoas, mas tormentas,
As devastadoras tempestades.
Não escolhi brisas leves e delicadas,
Mas os mais severos, implacáveis vendavais.
A alma inquieta, sedenta de vida
Percorreu caminhos turbulentos,
Passou por entre rodas de fogo
E os raios fulgurantes dos temporais.
Chamuscou-se quase que inteira,
Espatifou-se nas rochas praianas
E, agora, em frangalhos, só sabe de dor:
Só geme, lamenta, só sabe de dor.

2010

segunda-feira, 12 de abril de 2010

SE O AMOR CHEGASSE

E se o amor chegasse numa melodia
que iluminasse a manhã, plantando vida...?
E se o amor chegasse num coral de passarinhos
e então parisse de repente a primavera...?
Se agigantasse nossas almas pequeninas
E rebrilhasse nos regatos cristalinos...?
Se retumbasse e despontasse em verso e trova,
Em alegria, em delírio, violões e tamborins...?

Se o amor chegasse, me abririas as portas e teu corpo,
E dançaríamos, febris, inebriados,
Milhões de danças em festejo à própria vida.

2010

quinta-feira, 8 de abril de 2010

JANE

Por que desejar
o poder dos czares,
se Jane me come
assim como eu fosse
a pura delícia?
Por que a fortuna
dos grandes banqueiros,
se Jane me bebe
tal como bebesse
o suco da manga?

Por que ter a fama
dos grandes guerreiros,
se Jane me lambe
assim qual quisesse
me gastar por inteiro?

Por que almejar
um trono de rei,
se como a menina
tal como comesse
divino manjar?

Por que invejar
os homens famosos,
se bebo essa musa
bem como bebesse
a própria ambrosia?

Por que ter o nome
nas ruas e praças,
se lambo essa moça
tal como lambesse
o mel entre o dedos?

Que mais quereria,
se todas as noites,
ao fim da jornada
apóio a cabeço
no peito de Jane,
e ela me abraça
assim qual quisesse
me guardar para sempre?

2010

SUAS CANÇÕES

A sua canção doeu fundo no meu peito
porque era de tristeza a sua canção.
A sua canção me fez vibrante de alegria,
porque era de alegria a sua canção.
Sua canção fez-me odiento e revoltado,
porque era de ódio a sua canção.
Sua canção fez-me emanar amor pra todo lado,
porque era de amor sua canção.
Suas canções me contagiam das emoções que lhes dão vida,
pois seu cantar miraculoso me arrebata
e me envolve, aprodundando-se em minha alma suas canções.

2010

VIDA

Vida, eu te quero saborosa e magnética
Qual mulher de vestido levantado.
Eu te quero deleitante como um beijo, qual luxúria.
Eu te quero alegre como tarde ensolarada
Com samba, frevo e fumaça colorida.
Eu, enfim, te quero, vida, intensa e plena,
Não sem graça, insossa, tediosa
Como pregação ou vazio botequim.

2010

UNOS

Chama, clama, suplica por meu corpo,
Incandesce em nosso leito, delira em meu abraço
Febril.
Lança-me um olhar tão terno, que teus olhos mais pareçam
Os das musas romanescas, das amadas de quimeras.

Toma as minhas mãos nas tuas, dize o que ouvir preciso:
Fala a mim que somos unos, um ser leve como a brisa,
Tão aéreo, amante, solto
A voar na ventania,
A pousar na Estrela D"Alva,
E a planar na imensidão.

2010
Revisto e modificado em 2017

A CARNE

A carne arde,
A carne chama,
A carne clama por outra carne.
A carne ama como qualquer poeta,
Do seu modo pleno e carnal.

A carne se comprime noutra carne,
A carne se dá como qualquer apaixonado.
A carne se atrita com outra carne
E o faz com zelo,
E o faz com arte,
Como um pintor criando imagens.

A carne dança a dança do amor
E canta como qualquer cantor,
E baila como toda bailarina,
Mas do seu jeito peculiar.

A carne ama e também se entrega,
A carne enlouquece de tamanho querer,
Como alguém de sentimentos desmedidos ,
Assim como um cavaleiro andante,
Assim como um sequioso trovador.

2010

A POETISA

A poetisa faz poemas com a maestria e zelo
De quem borda o céu com estrelas cintilantes,
Como quem pinta no horizonte o verde mar,
Qual quem desenha gaivotas no painel do ceú azul.

A poeta verseja como quem regesse orquestra de letras,
Como quem branqueia as nuvens a enfeitar o firmamento,
Qual quem floreia os campos vastos, majestosos,
Como quem doura as ruas com a cor do sol.

A poetisa é tão bonita por ser mágica,
Por ser fada, encantada, por ser diva,
Miraculosa
A poetisa
Com a magia
Do seu condão.

2010

terça-feira, 6 de abril de 2010

MEU SANTO ANTÔNIO

Meu Santo Antônio, por favor, me traz Maria
Batendo assim na minha porta como o sol
E acendendo minha casa e minha vida
Como se fosse uma folia a se espalhar.

Me traz Maria em seu vestido de florzinha
Esvoaçante provocando meu olhar.
Me traz Maria e seu arzinho de criança
E seus olhinhos tão pretinhos, tão pedintes.

Me traz Maria de cabelos sobre os ombros
E seu sorriso assim tão branco como as nuvens.
Me traz Maria e sua voz que nem cantiga
A me jurar pra sempre o seu amor.

Me põe Maria num altar ao lado meu
Me prometendo estar comigo até morrer.
Faz desse dia um dia tão divino,
De todo ser pra sempre se lembrar.

Me dá Maria nas manhãs pelos roçados
A cultivar a plantação e o nosso amor.
Me dá Maria nas noitinhas estreladas
Sob os lençóis, enlouquecida a me apertar.

Faz de Maria o paraíso prometido,
O meu presente encaminhado pelos céus.
Faz de Maria mais do que uma dádiva,
Minha fortuna, fonte d'água e de alegria,
Pr'eu me sentir que nem você santificado.

domingo, 4 de abril de 2010

A PASSISTA

Lá vem a passista, dançante, maneira,
Trazendo no rosto a luz de um sorriso.
Rebola a passista em trajes sumários.,
E os homens desejam deitá-la em seus leitos.

Na pista ela samba, ela canta, fulgura,
E os homens, sedentos, sonhando pecados.
Negra, vibrante, lasciva, tão linda!
É dona da quadra, rainha da noite
E pega nas mãos fragmentos de estrelas
E espalha na quadra alegria tão grande,
Que o mundo inteiro parece dançar.

2009

PARAÍSO II

Quando os meus olhos sequiosos se encontram
com os teus olhos serenos de veludo,
eu me vejo desarmado, indefeso, adolescente,
mergulhado em sonhos, devaneios, em quimera.

Vem, mulher, aconchegar-te em meu abraço:
meu sentimento é um turbilhão de ondas havaiano.
O meu amor é como um transe, tão sereno, delicado
e,assim, se expande e se apossa de min'alma atordoada.

Vem: minha força se alimenta do teu beijo,
o meu corpo se alimenta do teu corpo.
O teu rosto é o mais bonito entre os poemas,
tua presença é o mais sonhado, desejado paraíso.

2009

Revisto e modificado em 2012

DOIDEIRAS DE UM NORDESTINO

Mãe, que coisa doida é essa
mais do que doida
nesta cidade?
Que coisa é esta
mais do que doida
dentro do peito?

Mãe, como apavora
vir à janela,
ver os cadáver
pela favela
e imaginar
que qualquer hora
a gente pode
ser mais um deles.

Mãe, como me assusta
ver a miséria
em todo canto
desta cidade,
como na terra
tão nordestina,
cheia de fome,
onde eu nasci.

Mamãe querida,
entende bem,
vivo com medo,
às vezes penso
umas doideiras:
voltar pro norte.

Voltar pro norte?
Mas como o norte?
Perdi o norte,
também o norte,
que, tão mudado,
é como agora
a terra aqui.

2008

NÃO VOLTAR


Trilharei os caminhos mais trevosos,
Roçarei nas pedras cortantes dos estreitos
Minha carne já tão farta destas chagas que me sangram.
Morrerei a cada dia  em que eu pise neste chão,
Na incerteza que amanhã uma luz de plena claridade
Se acenda num momento do caminho e que me salve,
Mas não pedirei na dor mais lancinante que me voltes,
E, se quiseres me voltar, eu te direi: "nunca, jamais!"


2009
Modificado em 2012

TÃO DESERTA...?

Por que é tão deserta
a rua
é tão deserta
a feira
é tão deserta
a loja
é tão deserta
a noite
é tão deserta
a tarde
é tão deserta
a vida
é tão deserta?

2009

A TERRA DE SEU JORGIM

A terra de Seu Jorgeim
tem cascatas e morros e matas
tão bonitas de se admirar...
tem morenas e louras, mulatas
tão boas de um ser desejar.

A terra de seu Jorgim
é de beleza pura e singela
que a gente precisa cantar
e tem também dona Estela,
que faz em suspiros sonhar.

Por falar em sonhos, há tantas igrejas
onde o povo de vida modesta
sonha anjos, céu, paraíso,
confiante que, partindo desta,
só terá razões de sorrisos.

Na terra de Pagodim
não se sonham tão-só sonhos místicos,
eu vejo também também sonho artístico
de quem samba nos botequins.
Lá tem muita moça bonita
com sonhos de Cinderela
e também tem a Rosita,
que não é tão moça, mas também é bonita
e sonha também namorar,
mas o marido - bandido! -
insiste em nunca deixar.

A terra de seu Jorgim
tem time de futebol treinando
e uma meninada sonhando
aplausos, estádios, fortuna.

A terra de seu Jorgim
tem casas e ruas singelas,
tem bares de muita alegria,
lugares de muita poesia,
tem, não nego, suas mazelas,
mas não há como enfim não louvar
a terra de seu Jorgim.

2008
Revisto de modificado em 2017

sexta-feira, 2 de abril de 2010

HOMENAGEM AOS POETAS

Este poemeto é uma singela homenagem
A todos aqueles que fazem mágica com sua pena encantada,
Que fazem poemas de profundeza e de beleza comovente e colossal
E se enchem de orgulho e de vaidade
Como Deus, que fica a olhar fascinado a sublimidade e imensidão da sua obra.

2010

SEM GANÂNCIA

Não me enquadro,
não me integro,
não me entrego,
não aceito,
não me ajusto
(não é justo),
que a cabeça pensa,
se coloca contra.

Não adulo,
não estendo
o tapete
longo, rubro,
só me afasto
do nefasto
jogo sujo,
que a moral condena,
cheia de repulsa.

Sem ganância,
sem a sede
de ter tudo,
de ser dono
do planeta,
só me basta
ter à noite
a morena ardente
sobre a minha cama.

Sem fotuna,
sem prestígio,
comitiva,
estratégia,
puxa-sacos,
diamantes,
é bastante
ter a paz dos dias
na vida modesta.

Sem ferrari,
sem agenda
sem o mundo
entre os braços,
o que quero
é o dia
belo, fresco
e a canção bonita
me afagando a alma,
os amores bem,
que estas coisas simples
são meu paraíso.

2010

quarta-feira, 31 de março de 2010

CERIMÔNIA

A autoridade tão esperada chegou.
As pessoas se agitaram, aplaudiam,
Sorriam como competetentes prostitutas
Ofertando-se aos homens passantes.

A figura central começou o discurso:
Fala vã em elegante linguagem.
Os olhos dos assistentes brilhantes,
Sorrisos de plástico concordantes.

Aglomerado de gente, roupas de caros tecidos.
Aplausos, reverências, emoções fabricadas,
Garçons circulando, drinques pedantes,
Gente interesseira traçando projetos.

O silêncio tomava conta de mim,
Porém, maior que o silêncio era o desprezo,
O fastio, a náusea, o impaciente tédio.
Saí pelas ruas idolatrando os indigentes
Tão cheios de verdade a se deitar nas calçadas.
Encontrei um cahorro, estalei os dedos,
E o bichinho veio logo buscar um carinho
Das minhas mãos imundas de humano.
Fiquei imaginando uma sociedade diversa,
Que tivesse a elevação moral dos cachorros.


2010

terça-feira, 23 de março de 2010

A ESTRELA CANTA

A estrela canta,
e a sua voz suave de pluma se expande pelos quatro cantos do teatro,
e atravessa as paredes para ganhar o Universo.
Fascínio, hipnose, alumbramento...
A voz da estrela me leva consigo pr'um mundo encantado
de puro lirismo.
Eu, embriagado de sua voz...
sua voz...
sua voz, que emana fachos de luz coloridos
que iluminam docemente a alma de todos.

Meu olhar embevecido contempla todo o tempo aquela diva,
e minh'alma se vê escravizada pelo seu cantar.
Eu, escravo, absorto, mais pareço um menino
arrebatado pela primeira paixão.

2010

DURMA

Não, menina, não se dê a esperas e divagações:
Não fique a aguardar seu príncipe encantado.
Se você não sabe, esse até já veio e já se foi
Sem que você se tivesse apercebido,
E nada tinha, menina, de encantado
E estava muito longe de se poder chamar de   príncipe.
Não se entristeça, menina, e não sonhe:
Apenas feche as janelas e durma.
Durma, menina, durma.

2010

domingo, 7 de março de 2010

MARIANA


Túlio Moura era de rocha,
Um valente tão calado;
Homem longe de gracejos,
Se tivesse uma pendenga,
Resolvia era na faca,
Já deitara mais de cinco.

Mariana era bonita,
E, se Túlio desabava,
Só se dava o acontecido,
Quando a tinha sobre o leito.
Mariana tanto ardia
E se dava de tal modo,
Que ele tinha uma certeza:
Outro homem não queria.

Pedro Souza ria à toa,
Nunca fora violento;
Piadista conhecido,
Se tivesse uma pendenga,
Resolvia era na paz:
Evitara mais de cinco.

Mas um dia Mariana
- ninguém sabe nem explica -
Deparou com Pedro Souza
E por ele se encantou.
Demorou um bom tempinho,
Mas um dia - que remédio? -
Mariana se entregou.

Mariana era bonita,
E, se Pedro não sorria,
Só se dava o acontecido
Quando a tinha sobre o leito.
Mariana tanto ardia
E se dava de tal modo,
Que ele tinha uma certeza:
Outro homem não queria.

Mas num dia de tragédia,
Túlio Moura tudo soube,
Disse ofensa a Pedro Souza,
Tirou faca da cintura,
Mas o Pedro era traíra:
Com um tiro o abateu.

E assim de modo triste
Se selaram os dois destinos:
Túlio Moura no sepulcro,
Pedro Souza na cadeia.

Com bem menos de dois meses,
Um viúvo da cidade
Visitou aquelas bandas,
Tendo visto Mariana,
Logo, logo, endoideceu.

Mariana era bonita;
Se o viúvo não chorava,
O tal fato só se dava,
Quando a tinha sobre o leito.
Mariana ardia tanto
E se dava de tal modo,
Que ele tinha uma certeza:
Outro homem não queria.

2010
Barão da Mata

sábado, 6 de março de 2010

NADA MAIS

Meu canino amado, sinto pelos teus olhos
e pelo teu resquício de ânimo, que já se está esvaindo,
que muito em breve tu me deixarás;
E a tristeza se bate sobre mim,
E traz como contrapeso este meu insano inconformismo.
Inconformismo, amado, pelo fato de, mesmo após os cinqüenta,
Não ter eu ainda alcançado crer na existência de uma alma perene
Que, invulnerável, resista à morte,
E porque exatamente esta descrença me deixará sem um alento quando te ausentares.

Lembro-me de quando te resgatei das sarjetas.
Não tinha um lugar para ti e por isto te deixei em casa de outrem,
Alguém que te batizou de Lobo, mas nunca te chamava,
Mas vivia chamando pelo nome do maltês da vizinha,
E tu, coitado, atendias, achando que te chamavas Snoopy.
Quando vieste então para minha companhia, tive então de te renomear: Snoopy.

Superaste a indigência e a indiferença, além de dois cânceres que te acometram.
Foste valente, venceste tudo. Tiveste fibra.
Mas agora envelheceste e adoeceste novamente.
E não me pareces, desta vez, pronto a enfrentar coisíssima alguma
Estás combalido e tristonho, frágil, sem garra,
E eu, igualmtente triste, sinto a tristeza impotente me corroer,
Justamente por ter a certeza de que nada posso fazer
Senão, enquanto vives, te abraçar e beijar teus pêlos com a sofreguidão de náufrago
[ agarrado à tábua de salvação,
Nada mais, meu amor,
Nada mais,
Infelizmente,
Meu amor.

2010

NOITE DESERTA

Na noite de surpreendente chuva as ruas se fizeram desertas
                                        [subitamente.
Poucas vivas almas circulam, fugidias e apressadas,
e o meu peito, ávido de vida, teve de guardar dentro de si
uma ebulição da imensidade de uma gigantesca cachoeira.

Eu queria ir às ruas e buscar a vida, mergulhar na vida
com a voracidade sem virtude dos inveterados pecadores.

Queria que Dionísio cantasse com sua voz licenciosa
os louvores mais sonoros às orgias desmedidas.

Queria que as ninfas formassem um coral febril, luxuriante,
e, lascivas, dançassem e se despissem entre cantigas sensuais.
Que se entregassem sobre mesas de bodegas
a nós, homens, caçadores de emoções.

Mas as ruas estão desertas, e Dioníso dorme no Olimpo,
talvez em ressaca e no recesso de um dia de pecado.
As ninfas devem estar adormecidas nas matas, bêbadas e nuas,
ressonando no cansaço de horas mortas de esbórnia e de risadas.

O meu peito faz que está calado, mas dentro dele há o enorme estrondo
da queda das águas densas sobre o rio caudaloso.
Tão silente a noite, e minh'alma sequiosa de vida, transgressão e liberdade,
de cores e de brilhos, dança, de aventuras e de risos,
vai-se pouco a pouco acinzentando, até se enegrecer tal como a noite
e também se entristecer, se aquietar e, frustrada, também silenciar,


2010

INCOMPATÍVEIS

Ela só queria a casa em ordem,
com berloques e aparelhos,
bela como altar de igreja,
e ele, o mundo inteiro, imenso,
pra se jogar, se perder.

Ela só queria, aos domingos,
o passeio às redondezas,
as visitas aos parentes,
e ele, a vida de aventuras
com meninas e loucuras,
noite inteira pra sambar.

Ela só queria noite ou outra
leve beijo, a carne morna,
os desejos saciados,
e ele, a amante mais fogosa
em volúpia incandescente
e a mais louca das paixões.

Ela só queria reuniões
com  parentes e os amigos,
uma festa vez por outra,
e ele, o ano inteirinho,
a mais plena das folias,
o mais inteiro carnaval.

O projeto que ela tinha
era os filhos já crescidos,
já rapazes bem vestidos
e a posição social.
E o projeto que ele tinha
era a vida mais intensa,
era a vida mais imensa
batendo dentro do peito
ou acesa num bacanal.

1989
Revisto e modificado em 2017

LEVE

Voando diante dos olhos d'alma,
Voando, voando suave a música...
Voando, vem a música
E me enleva, e me leva a música,
E eu viajo, eu navego em suas notas,
A flutuar como o leve sopro
Da mais leve entre as brisas.
Leve como se a alma leve e mansamente se liberasse da carne.


A música é a poesia em notas musicais.
A música leva o ser à mais profunda e infinita comunhão com a própria alma.


A noite é leve como são leves as notas dessa música,
E levemente me rouba,
E eu flutuo também na noite,
E eu viajo, liberto do mundo,
Pelas notas dessa noite,
Pelas dança dessas notas.

1989

A POESIA

Foi a noite calma
Que avisou à alma
Que a poesia é o canto,
Música ardente
Vinda lá do fundo,
Brenhas mais ocultas
Do peito da gente.

A poesia dança
Como leves notas,
Qual doces acordes
Flutuando doces
Num leve voar.

A poesia é chama,
Sentimentos férvidos,
É o cantar macio
Dos brandos riachos...
Orquestra afinada
Dos pássaros da manhã...
A imagem da musa
À luz de penumbra,
O ballet das velas
Nas ondas do mar:
Pobre todo aquele
Cujo peito apaga,
Cuja alma cala
Na mudez do não-sentir.

1989

FELIZES PARA SEMPRE

Mensalmente, ele dizia:
"Você é minha loucura,
Minha égua sem pudores."
Ao que ela correspondia:
"Você é meu toruo bravo,
Garanhão que arde em fogo."

Logo, a noite aprofundava
E outro dia alvorecia:
Um carinho nos garotos,
O dinheiro do colégio,
Breve beijo do casal,
E ele ia pro escritório.

Duas vezes por semana,
As encrencas matutinas,
As palavras de desprezo,
As dedadas nas feridas.

Sexta-feira ele, no bar,
Se encharcava co'os amigos,
Discutindo então os destinos
Da nação, do futebol.

Vez por outra ele encontrava
Uma "gata"  interesseira
Que acabava nos seus braços,
Numa cama de motel.

Houve o dia em que um vizinho,
Numa hora oportuna,
Acabou no quarto dela,
Pra tornar-se uma lembrança
Que a fazia arder nas noites
De gemidos conjugais.

No domingo, manhãzinha,
A familia ia à missa,
Almoçava com parentes.
Flutuavam sobre a mesa
Os odores da cerveja
E os arrotos de coca-cola.

Era o carro na garagem,
Casa prórpria com terraço,
Um churraco por bimestre,
As focfocas co'as amigas,
E os amigos beberrões.
E assim eles viveram
Felizes pra todo o sempre.

1989

Revisto e modificado.

INCREDULIDADE

Não me negue seu perdão se erro,
Mas não me abandona, Deus, o pensar
Que você é como a miragem que surge
Diante dos olhos do sedento, no deserto.

1975

Este é o meu mais antigo escrito. Não que não tenha havido anteriores. Houve, mas foram rasgados. Este é então o remanescente mais antigo.

O NÃO-HOMEM

Vi você andar depressa,
a valise sob o braço:
tinha a hora do trabalho,
tinha um céu de nuvens brancas
que não teve o seu olhar.

Eram pombos no caminho,
uma moça tipo musa,
um pirralho vez por outra,
sua mente matemática.

Trabalhou o dia inteiro,
pensa em dinheiro e números,
vê a noite como um nada,
nem percebe que há estrelas:
o que tem você de homem?

1980

MERCADO DO HOMEM

"Seu peão, me diz teu preço."
"Eu tô no sufoco,
basta uma pinga,
um quilo de carne,
fubá para um mês."

"Seu doutor, me diz teu preço."
"Eu tô precisando
de um carro do ano
de todo equipado,
pr'amásia que tenho."

"Seu peão, vou pechinchar."
"Assim eu me ofendo...
Ou você não sabe
o valor desta honra
que trago comigo?"

"Seu doutor, vou pechinchar."
"Assim eu me ofendo...
Ou você não sabe
o valor desta honra
que trago comigo?"

1980

MARCAS

Quando passar a tempestade,
E as poças d'água secarem,
Deixando marcas na terra...
Quando passar a tempestade,
Ficarão as marcas na terra.

1979

MOÇA DO INTERIOR

Que tem a menina
de jeito matuto
pra ser tão calada,
pra ser tão quieta,
pra ser tão tristonha?

Dizem que na roça
deixou de ser casta
e o moço se foi...
Ou é a cidade,
imensa, sem alma,
que a deixa medrosa?

Dizem que um parente
foi há pouco tempo
pro desconhecido...
Ou é ser até
o que a moral condena
pelo pão dos dias?

Dizem que é saudade
dos entes queridos
lá na sua terra...
Ou é a cidade,
feita de rudezas,
que lhe aperta o peito?

1980

MAGIA DO SONHO

As gentes sedentas de dias melhores
Adoram seus deuses, criam salvadores,
Lhes tendo a fé cega dos desesperados.
Vai o faroleiro contando mentiras
Com a veemência dos injustiçados,
Perdendo a noção de fato e invenção.
O pobre, tentando a grande das sortes,
Sonhando com luxo, fartura e conforto,
Abranda a amargura, suporta a probreza.
O amargo poeta, adornando seu drama
Com seus céus azuis, suas verdes relvas,
O faz tão suave, que chega a amá-lo.
Não fosse a miragem diante dos olhos
do andante sedento no seco deserto,
Que mais poderia fazê-lo seguir?

1981

quarta-feira, 3 de março de 2010

QUERO IR EMBORA

Quero ir embora,
Vou pra algum lugar onde o sol se ponha alguma hora,
Onde eu sinta a brisa da manhã me acarinhando,
Onde à noite haja uma paz divina
E os sons que se ouçam sejam canto de grilos assanhados
Ou acordes de viola a vir de longe.

Quero ir embora,
Quero ir agora,
Chega de ouvir a antimúsica dos estampidos
Dos fogos, tiros.
Chega de ouvir os ruídos estridentes
Dos feios berros, freios, buzinas
E das turbas incontidas que jamais se educam
E me apoquentam,
Me violentam,
Tiram-me o sono.

Quero andar em paz pelas ruas calmas, sossegadas,
Sem o perigo
De um meliante
Vir me matar.

Quero ir embora,
Gente iludida.
Pode ficar co'a praia, multidões, essa quentura
Perniciosa,
Que você pensa
Ser um presente.

Pode ficar com as boates, os batuques, delinqüentes,
Que eu quero é paz,
É poesia
Cantada à noite
Pelas corujas.
É a alvorada
Anunciada
Por bem-te-vis.

2010

CONTAGIADO

O que é de você, mulher bonita?
Eu vi sua janela entreaberta
E vislumbrei sua face bela e pálida.
Eu vi muito bem seu olhar triste:
Você entrevia pela escura fresta
A rua
Deserta,
Escura,
Calada,
Sem cor.
Era só como essa  alma enevoada
Conseguia ver a tarde,
Que se movia
E que vivia
Sem você ver.

Eu bem quis adentrar
A sua casa,
Lhe dar abrigo
Em meu abraço,
Falar um pouco
Em esperança.
Mas que esperança,
Se seu olhar
Me parecia
Já tão entregue
E ambientado
Só à  tristeza,
Que meu impulso
Nem por segundos
Sobreviveu?

Segui apenas
O meu caminho,
Eu, tão inútil,
Envelhecido,
Já tão sombrio,
Contagiado,
Entristecido
Como seu rosto
Anoitecido.

2008

INCONFORMISMO

Droga! Droga!
E esse nada que nunca chega!?
E esse ninguém que nunca vem!?
E essa espera por um milagre
Que venha me resgatar
E é impossível acontecer!?

Droga! Droga!
E esta espera angustiada pelo dia seguinte
E, na chegada do mesmo, a frustrante constatação
De outro dia não ter chegado!?

E esta sensação de abandono!?
e esta sensação de ser vil!?
E este desejo de morrer!?
E este pavor da morte!?

Droga! Droga!
E esse nada que nunca vem!?

2009

MARIA

A paz era qual brisa, leve como um cântico,
nos olhos mansos de Maria.
O riso era franco como riso de criança,
no rosto pálido de Maria.
O amor era ebulição, um arder que enlouquecia,
no corpo, entre as unhas de Maria.
As noites eram belas como se o luar sempre brilhasse,
nos braços aveludados de Maria.
Viver era um desejo de que o tempo não passasse,
de que tudo então parasse, como numa pintura ou fotografia,
nos felizes dias ao lado de Maria.

2003

PECAR

Pecar...
Pecar grande, enormemente...
Pecar plena, elevadamente...

Pecar como quem morde o fruto proibido,
Gostosamente como peca algum menino
Que rouba frutas no quintal de algum vizinho.

Pecar...
Pecar...
Mas pecar de corpo e alma,
Mas pecar ardentemente
Entre os beijos e as entranhas
Da mulher fogosa e alheia.

Pecar....
Pecar...
Deliciosamente...
Pecar louca, perigosamente,
Pecar febril, intensa, plenamente.

Pecar...
Pecar em dança delirante,
Pecar em vinho embriagante,
Pecar em volúpia flamejante.

É o pecado irresistível,
É assim tão prazeroso,
É uma coisa tão sublime,
Que só Deus, é quase certo,
Deve tê-lo fabricado.

2010

IMAGINE, LOURINHA

Imagine, Lourinha, se eu lhe desse uma rosa,
Lhe dissesse um poema e beijasse-lhe a boca.
Imagine, Lourinha, se tivesse esta idéia
Algum cabimento.
Imagine, bonita, se tivesse eu próprio
Algum cabimento.


Eu não queria, lourinha, a vida assim:
Essa insuportável ausência de poesia no mundo,
Esse excessivo espírito pático dos humanos,
Esse verdadeiro menosprezo aos sentimentos e emoções,
Tanta repulsiva futilidade ao redor,
A absoluta desintegração do lirismo que dava alma às pessoas.

II

Como se tivesse cabimento todo esse egoísmo,
Essa ambição desmedida que gera politicagem,
Essa politicagem que gera fome e gera guerra:
Como se tivesse cabimento essa ganância que gera tanta morte.

2003

terça-feira, 2 de março de 2010

O QUARTO

O que faço agora, o que digo agora,
Já embriagado, bares já fechados,
Se, na noite quieta, só me resta o quarto,
A cabeça zonza, a solidão?

Morte, venha logo,
Mas deixando que antes
Meu temor se vá.

Jamais houve bares, luzes, bebedeiras,
Só noites de inverno
Pelos matagais.

Quero ser guerreiro,
Não um imbatível,
Mas um kamikaze
Pra me arrebentar.

Vejo um cão sem dono
Deitado à sarjeta,
Quando olho no espelho.
Mas certo deleite
Vem tocar minh'alma,
Pois eu gostaria
É de ser um verme.

Morte, venha logo,
Fim das amarguras.

As portas dos bares  se fecharam todas,
Vejo as ruas negras, trisrtes e desertas.
De toda a alegria
Só restaram cinzas.
Por falar em cinzas, o que mais eu sou?

2020
(poema escrito em 1982 e revisado, modificado e atualizado)

PRECISO

Eu preciso de um luar pra versejar
e uma noite de silêncio murmurante,
para tornar a alma quente, vulnerável
e deixar cada emoção me inquietar.

Eu preciso de uma guerra pra odiar
e brandir os meus punhos, minha espada,
num afã de aniquilar os inimigos
e o triunfo logo após comemorar.

Eu preciso de um amor para amar
e ficar em minha mente noite e dia,
torná-la musa dos meus versos mais ferventes,
tornar minh'alma uma lira permanente.

Eu preciso de um riacho pra pisar
e molhar os pés, banhar o corpo quente,
me arrepiando nas águas cristalinas,
lavando a alma da maldade e do pecado.

Eu preciso de uma causa pra abraçar
e bradar “fora”, “salve”, “abaixo”, “viva”,
e, inquieto, propalar o tempo inteiro
a justiça do meu pleito e minha luta.

Só não posso caminhar sem ódio, causa,
sem paixão, sem poesia, sentimentos,
só não posso viver vida morna, preguiçosa,
como se eu fosse deserto de emoções.

2010

sábado, 27 de fevereiro de 2010

AMAR-TE

Quero te amar, mas amar-te ávida e profundamente,
Com o afã de quem se agarra a todos os cordões da vida,
Numa gana inarredável de querer-se eternizar.
Amar-te num desejo de tornar-me o teu pai, teu homem,
Teu irmão e teu menino
E fazer-te mãe, irmã, amante e minha filha,
Minha menina,
Canção bonita vinda do fundo da noite serena.
O teu olhar de criança me arrebata e faz afável
E tão despido de todas as maldades dos humanos,
E tão carente de me alimentar do teu afeto,
Bela.
Há um lugar imenso no meu peito hoje ressequido
Para ti, que miraculosamente o fará reflorescer.

2010

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

TANGO CARIOCA

Quando chegaste com teus sorrisos
e te sentaste defronte a mim,
tua figura era só viveza,
minha esperança era tão cansada.

O teu decote era tão ousado,
O teu vestido, cheio de estampas
em tons vermelhos e sensuais,
com transparências bem provocantes.

A tua face se  iluminava
E irradiava tão pura vida,
era  alegria que assim pulsava
que transbordava por todo o bar.

Quando dançavas, arrebatada
pelos pandeiros, pelas violas,
o teu requebro, que era tão mágico,
te transformava numa cigana.

Tinhas o riso  tão atrevido,
Tinhas os olhos tão  petulantes,
me fascinavas como se eu fosse
algum menino sem ter vivência.

O teu olhar bem me cativava,
me transformavas em teu brinquedo,
que, qual criança que não tem zelo,
tu usarias com teu desleixo.

O teu dançar, que contagiava
todos os homens, todas mulheres,
já te fazia não mais humana,
mas  entidade bem poderosa.

Eu, indefeso de tão tristonho,
via teu brilho por entre as luzes
do bar alegre, da lua,  estrelas,
que não brilhavam mais do que tu.

Eu, destoando das alegrias
daquela noite, da tua dança,
fugi de ti, do teu grande encanto,
porque temi que me consumisses,
porque temi que me devorasses.


2010

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O BAR

No bar onde se apresentavam
Cantores de muita poesia,
Havia uma mulher que cantava
E um homem que não se iludia.
Havia um rapaz que sonhava
E uma mulher que sofria.
Alguém a vida adorava,
Alguém a morte pedia.
A música a alguns tocava,
A outros nada dizia.
Um grupo, feliz, dançava,
Um grupo mal se mexia.
Havia um ser que odiava
E um outro que apenas bebia.
Um jovem casal se beijava,
Um outro se repelia.
Alguém, sozinho, chorava,
Um trio de amigos sorria.
Um revoltado, inflamado, bradava,
Um indiferente mal o ouvia.
Um bêbado a língua enrolava,
Um sóbrio apenas sorria.
Diversas emoções se notavam,
Belas canções se seguiam.
Havia também a apatia,
E a noite apenas seguia.

2010

ÂNSIA

Vida pequena, tão diminuta, tão tediosa...
e esta ânsia de apertar o mundo nos braços
e dele sugar todo o elixir da vida plena e palpitante;
sobeja e fulgurante vida do amor imenso e absoluto a que aspiro.

Esta ânsia de sensações como as emoções pejadas de volúpia
vivenciadas por amantes nas praias escuras, nos becos desertos
e nos quartos impregnados de odores lascivos
de mulheres casadas e entregues a amorosas aventuras.

Esta ânsia de percorrer estradas e chãos incontáveis,
de viver uma emoção ardente a cada instante,
de despir a morena de cabelos derramados sobre um ombro...
de estalar os dedos e me ver rodeado de cachorros inúmeros
de estirpes diversas, cães com pedigree, vira-latas sarnentos, vagabundos.

Ânsia de ver a chuva brotando das serras de vegetação majestosa,
de ouvir cantar o cantor mais melodioso, mais sentido
uma canção singela acompanhada de acordes de violão.
De ver o sol nascer brando e dourar o orvalho gotejado nos jardins.

Esta ânsia que clama por felicidade de saltar aos olhos,
por uma desejo de viver, um apego à vida tão intenso,
que pareça o dos sonhos sonhados nas idades imaturas.

2010

NOSTALGIA

Estou perdido num tempo
em que tudo que amei se foi,
em que tudo que havia perdeu-se,
tudo o que havia não há.

Não há mais casas singelas
com casais apaixonados
se beijando nos jardins.

Não há mais olhos brilhantes
de mulher enamorada
sob a lua cor de prata.

Não há mais brisa de outono
nem cantiga matutina
para iluminar as manhãs.

Não há mais praças bonitas
com casais cheios de sonhos
e crianças a brincar.

Não há mais o jasmineiro
sob o qual beijava Helena
entre juras imaturas.

Não há mais o violão
que meu pai tocava à noite,
a me encher de comoção.

Não há mais canção bonita
e olhar cheio de súplica
de menina apaixonada.

Não há mais noites de a alma
libertar-se dos pecados
e entregar-se à poesia.

Não há mais momentos líricos
de querer amar profundo,
de querer viver de amor.

Não há mais nenhuma hora
de dizer versos bonitos
e de ouvir coisas tocantes.

Não há mais canção de roda,
não há mais meus pais, a casa
que abrigou a minha infância.

Não há mais a adolescência,
não há mais a juventude,
não há mais aqueles tempos
tão distantes, que parecem
aos meus olhos tão vividos
mais quimeras que lembranças.

2010

VEM COMIGO

Vem, mulher, vem comigo:
não posso fazer chover,
mas posso fazer sonhar.

Não posso mudar o mundo,
mas posso criar um mundo
de encantos para nós dois.

Se não te fizer feliz,
ao menos farei que tu cantes
tanto que feliz tu pareças.

Jamais serei como herói,
mas saberei te tomar nos meus braços
de forma tão quente, que tu te darás.

Jamais serei como um deus,
mas serei com certeza o teu homem
e farei que te sintas diva.

Não posso fazer a vida
melhor do que tu já bem sabes,
mas posso fazer que teus olhos
a olhem com tanta doçura,
que comovas a quem te olhar.
Vem, mulher, vem comigo.

2009

DOS CANTOS

O que eu sei de poemas e de lira
É que os versos de amor são os mais bonitos,
Os poemas de alegria, coloridos,
Os que cantam partida, os mais sentidos,
Os que choram tristeza, os mais doídos,
Os de solidão são simplesmente ressequidos.
Tenho em mim um canto desolado, tão sofrido,
Que parece noite negra, emudecida
Com porteira aberta de fazenda abandonada
E brisa fria a balançar o matagal.

2010

NÃO FIQUE TÃO TRISTE

Não, meu caro amigo,
não seja tão triste,
não fique tão triste,
que a tarde escureça
e que o sol se ponha, que desapareça
lá do firmamento.


Não, meu caro amigo,
não fique tão triste, que a gente padeça,
que tudo pareça
as mais fundas trevas que seus olhos lassos
já puderam ver.


Não, meu caro amigo,
que essa sua alma nunca se enegreça,
e que se arrefeça a tristeza gélida
que lhe oprime o peito
e que o leva ao manso
pranto de menino
órfão, solto ao léu.

2003

PERDOE-ME

Perdoe-me versejar
assim plangentemente,
perdoe-me poetar
tão lastimosamente...


Mas que posso fazer, se a música cessou
e a bailarina já se sentou
exaurida e desolada
a um canto do teatro
silente e já vazio?


Perdoe-me cantar
de modo tão sentido!
Pedoe-me recitar
assim tão tristemente!


Mas que posso fazer, se anoiteceu
profundamente,
se a última mulher
se despediu,
deixando a noite co'esse gosto
de solidão?


Que posso fazer, se nenhum riso
ou burburinho,
se nenhum canto,
se nenhum passo
na noite escura
se fez ouvir?


Que posso fazer, se o cais, sem vida,
não tem a lua
a pratear,
não tem estrelas
a cintilar
e nenhum barco
a balançar?


2009

MINEIRINHA

Vem cá, mineirinha,
Canta uma modinha,
Dança, maneirinha,
Depois, vem deitar.


Vem cá, mineirinha
Do rostinho sonso,
Olhinhos travessos,
Sorriso brilhante,
Vem me namorar.


Dança qual peneira,
Queima, moreninha,
Goza, mineirinha,
Dize ao meu ouvido
Coisas sem pudor.


Vem cá, mineirinha,
Dize-me à noitinha
Que tu és só minha,
Dize, inda que seja
Pr'eu n'acreditar.


2008

RITINHA

Vem, Ritinha, aqui ouvir
que música bonita!
Que voz tão delicada!
Que arranjo comovente!


Vem, Ritinha, aqui ver
que tarde iluminada!
Vê a vida, assanhada,
já dançando pelas ruas.


Vem, Ritinha, aqui sentir
Meu abraço embevecido,
minhas mãos de puro afago
e meu ser de todo entregue
aos teus olhos inseguros,
teus carnudos lábios rubros,
teu insano ardor moreno.

2003

MUDEZ

Fechei a boca,
Calei meu verso,
Meu verbo,
Num silêncio tumular.

Fechei meus gestos,
Meus braços,
Meu rosto
Num semblante enigmático.

Calei meu verso,
Meu verbo
E não revelo
Que sentimentos
Fazem calar-me.

Cerrei minh'alma
Oculta,
Opaca
Num manto de mudez.

Seria adeus,
A morte
Passageira
Ou morte
Definitiva?

Seria tédio,
Seria raiva,
Melancolia
Ou tudo isto?

Não sei, respondo;
Não digo,
Mas sei,
Bem sei.

2008

O FIM DO MUNDO

Quando eu te vi sorrir,
tive vontade de te roubar
e te levar pro fim do mundo,
onde um luar constante prateia as carícias dos amantes,
que ficam constantemente a se amar.

2008

ARMINDO

Ah(!), meu pobre Armindo,
deixe essa tristeza,
pare co'esse pranto,
saia do marasmo,
olhe o dia alegre,
procure sorrir.

Ah(!), meu pobre Armindo,
lute contra a dor,
a melancolia,
entre num boteco,
ouça umas piadas,
procure gostar.

Não, meu pobre Armindo,
não fique tão murcho,
de uma vez por todas,
mate-se, Armindo,
mas, por Deus, Armindo,
não nos contagie!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

MULHER POEMA

Vem, mulher, pra mim, que eu te faço
Uns versos tão mansinhos e cálidos,
Que, mais do que musa, Vênus te sentirás.

Vem pra mim  por inteiro, e eu renasço,
Vem, que eu me faço uma fonte de vida
Que nunca se esgote, que nunca se acabe.

Vem com sofreguidão, que eu te torno
simplesmente singular em meu verbo
e uma deusa na Terra em meu verso,
e tão linda em cada olhar que eu te lance.

Vem comigo viver  a lindeza
de andar de mãos dadas nas ruas,
dos mais simples gestos fagueiros,
das promessas de amor ao luar.

Vem, mulher, que eu te vejo tão bela,
que eu te quero tão minha, te vejo encantada,
que eu te torno tão doce, te faço tão lira..
Vem, mulher, que eu te quero poema.

LUGAR AZUL

Leve-me para um lugar azul
onde a maldade não tenha espaço,
onde a tristeza não saiba chegar,
onde a dor nunca possa cantar
e os meus olhos, de infinita viveza,
fiquem constantemente a brilhar.

Leve-me para um lugar bonito
onde o amor ao viver se aloje
e do qual faça eterna morada.
Leve-me para um lugar poético
onde acordes de violão
se escutem perenemente.

Leve-me para um lugar sereno
que me faça alegre como criança,
que me faça puro qual passarinho,
que me traga a paz de quem olha
nuvens brancas brincando no céu.

Este lugar não fica na África,
não fica na Europa, não fica na Ásia;
Este lugar está bem pertinho.
Este lugar, mulher, são seus braços.
Este lugar, mulher, é você.

2010

MUNDO POEMA

Eu quero a vida tão prazerosa...!
Inebriante qual tuas coxas
Quando levantas o teu vestido
Ante meus olhos de pura sede.
Quero os meus dias tão saborosos
Como essa boca que tu me entregas
Nos beijos longos em que voamos.
Quero os momentos tão deleitantes
Como o teu corpo, no qual eu entro
Como se entrasse num paraíso
Pecaminoso, cheio de "ais".
Quero as manhãs  alegres e claras
Como o teu riso, que é pura luz.
Eu quero as noites serenas e brandas
Como o teu rosto macio e meigo
E esses teus olhos cheios de paz.
Quero que o mundo seja um poema,
E pr'este mundo ser um poema,
Eu só preciso de ti presente.

2010