domingo, 30 de julho de 2017

UTOPIA

Se uma doce emoção repontar
na gente rude das ruas cinzentas...?
Se o ódio silenciar tão profundo
de parecer estar morto e sepulto...?
Se eu me apaixonar pela prostituta
e viver uma inquietação mais sem fim..?
Se as pessoas quebrarem o asfalto
e plantarem jardins nas estradas...?
Se eu vir a ternura brotando
nos olhos tão frios de Helena...?
Se alguma voz bela cantar 
e encantar toda a praça e a cidade...?
Se tudo for só poesia,
sem juízo, sem bom-senso ou limite...?
Se esta utopia crescer de tal modo, 
que arrebente a impalatável verdade...?
Se minha quimera vencer o real,
parecerá vivermos pura felicidade.


SE EU AMAR ESSA MULHER?

E se eu amar essa mulher
de olhos tão despidos dos afetos?
E se eu amar essa mulher
loucamente de segui-la sorrateiro pelas ruas,
verificar furtivamente seus papéis, seus aparelhos,
suas vestes íntimas no cesto e no varal?

E se eu amar essa mulher,
obsessivo de falar seu nome o tempo todo,
nas noites frias de tristeza e de distância?
E se eu amá-la de um modo assim tão tresloucado
de perdoar-lhe as traições e os seus desprezos?
Se eu amá-la de um jeito tão servil e tão demente
de sentir-me um ser chão diante dela?
Se eu amar demais essa mulher, 
de querer morrer caso ela suma dos meus olhos,
de querer matá-la caso queira me deixar,
ou ainda me deitar pelas sarjetas se perdê-la para sempre?

Vou deixar que essa mulher siga em paz o seu caminho:
não, não posso, não, jamais amar essa mulher!

domingo, 2 de julho de 2017

Não creio em nada. Ou em quase nada.  Não creio em Deus. Nos homens, muito menos.  Não alimento ilusões e esperanças quanto às coisas à volta e ao mundo.  Não vivo destilando alegria pelos quatro cantos do planeta.  Sou um misantropo e não cultuo deuses nem homens.   Mas me embeveço quando de manhã olho pra fora da janela do meu quarto e vejo a árvore florada e repleta de vida, uma pequena mostra do quanto a Natureza é sublime, que contrasta com a rua pavimentada e quase totalmente desprovida de verde.  Beija-flores, besouros, percevejos.  Às vezes mariposas entram de madrugada, e tenho de acender alguma luz para que elas se aquietem.  Uma vez entraram dois beija-flores por volta das três da manhã, e precisei apagar as luzes para deixarem de se bater e não se ferirem.  Na primeira claridade abri as bandeiras porque não souberam sair pela janela aberta.  A Natureza, os bichos: este é meu culto, meu alumbramento, minha crença absoluta.  Eu creio na vida, nos animais, nos besouros, nas árvores e plantas e me me irmano com eles, e a simples vista de tais criaturas me traz uma paz de nirvana, me faz contente com a própria existência, me faz encantado, enlevado e feliz.